Atos administrativos devem observar parâmetros, condicionantes e limites legais para que sejam válidos e eficazes. No entanto, nem todo ato administrativo irregular configura ato lesivo punido na esfera legal. Saiba como sua organização pode se posicionar durante interações com a administração pública.
No exercício das suas atividades do dia a dia, a administração pública expede diversos atos administrativos, os quais consistem na declaração do Estado ou de quem o represente capaz de produzir efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeito a controle pelo Poder Judiciário e órgãos de fiscalização e controle.
Dentro deste contexto de ato administrativo, podemos encontrar a figura da discricionariedade, isto é, o grau de liberdade conferido aos agentes públicos para que, entre todas as opções legalmente existentes, adotem a que mais se amolda ao interesse público. Ressalta-se que discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, a qual sempre se mostrará ilegal.
Seja o ato administrativo discricionário ou não, uma conclusão sempre será correta: a sua legalidade estará subordinada à observância de determinados elementos, citando-se aqui a competência, a finalidade, a forma, o objeto e a motivação. Todos estes elementos, conforme preceitua a doutrina, são extraídos do art. 2º da norma que regula a ação popular (Lei nº 4.717 de 29 de junho de 1965). A ação popular consiste em relevante mecanismo de combate às condutas ímprobas nos contratos da administração e ferramenta de controle da asministração pública.
A ausência dos elementos e princípios descritos na lei acima usualmente implica na nulidade dos referidos atos administrativos, no entanto, nem todo ato administrativo que não observe parâmetros, limites e requisitos legais, necessariamente será enquadrado como ato ímprobo, fraudulento ou lesivo com potencial de se enquadrar como corrupção ou violações à legislações de direito público como a Lei de Licitações (Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993) ou a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992) ou, ainda, violações à Lei Brasileira Anticorrupção (Lei nº 12.846 de 1 de agosto de 2013).
Vale ressaltar que existe a possibilidade de atos do gestor público executados com base na discricionariedade administrativa consistirem em situação que pode se distanciar do interesse público, no entanto, este cenário por si só não irá retratar, obrigatoriamente, atos ímprobos ou fraudulentos, podendo eventualmente enquadrar-se apenas como má gestão ou mera irregularidade, sendo entendimento pacífico do STJ de que, neste último caso, não há improbidade administrativa.
Também vale frisar que as contratações públicas usualmente são antecedidas por licitações e todos os contratos públicos são objeto de fiscalização interna do próprio ente licitante, bem como fiscalização externa por cidadãos, Tribunais de Contas, CGU e Ministério Público.
Neste cenário, é recomendado que o sistema de compliance das organizações estabeleça políticas, procedimentos e treinamentos detalhando regras de conduta durante interações com órgãos públicos, prevendo participação de ao menos dois colaboradores e que todas as conversas e documentos gerados pelo relacionamento com o Poder Público licitante sejam documentados e armazenados. Com isso, os interesses da empresa serão resguardados diante de possíveis questionamentos futuros.
Entrando nos conceitos improbidade administrativa, corrupção e má gestão, vale ressaltar que apesar da existência de algumas similaridades, estes não são fenômenos idênticos. Consequências e sanções aplicáveis a cada uma dessas situações serão de naturezas distintas, na medida da sua potencialidade lesiva em diferentes esferas – administrativa, política, penal, cível ou até mesmo moral/reputacional.
Os três conceitos se relacionam na medida em que atos de corrupção geralmente também se enquadram em situações que envolvem improbidade administrativa e podem se enquadrar também como atos de má gestão e abuso da administração. No entanto, tal simbiose é relativa, pois nem toda má gestão irá se enquadrar como uma conduta ímproba ou corrupta.
É necessário o enquadramento em um tipo penal cujo bem jurídico tutelado é a administração pública, e que vise ou facilite benefício particular – o que não pode ser observado no caso em tela. A corrupção se evidencia na medida em que os atos alcançam um nível de desonestidade e ineficiência em que não bastará uma sanção ética, administrativa ou civil, mas eventualmente também a penal para as pessoas físicas envolvidas, como ultima ratio.
Infelizmente percebemos que órgãos de controle como a Polícia Federal, bem como veículos de mídia em geral, muitas vezes de forma leviana e sem todo o conjunto fático e probatório necessário, imputam a empresas e personagens relacionados acusações e condutas, criando vínculos e enredos fantasiosos e colocando em risco a reputação e imagem de empresas idôneas, então o apetite a risco deve ser calibrado considerando também este cenário.
É importante que seja feita criteriosa análise caso a caso por advogados especialistas para que atos de má gestão ou abusos da administração no relacionamento com a iniciativa privada, sejam identificados e diferenciados de atos de improbidade ou, ainda, prática de corrupção.
Neste contexto, além de análise específica acima referida, algumas ferramentas de compliance e mitigação de riscos, prezando pela reputação da empresa são estratégicas e imprescindíveis. Os riscos jurídicos, regulatórios, reputacionais e de compliance podem ser mitigados com a adoção de alguns cuidados como: (i) realização de Due Diligence de integridade ou auditoria dos terceiros intermediários engajados em tratativas com órgãos públicos; (ii) formalização e arquivo de toda e qualquer interação com agentes públicos; e (iii) inclusão de cláusula anticorrupção em contratos firmados com a administração pública, formalizando e documentando que parâmetros de compliance serão observados pelas partes.
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