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Uso de Dados Pessoais para Finalidade Eleitoral

As eleições presidenciais estão se aproximando e o pleito promete ser bastante polarizado, o que geralmente, implica em adoção de estratégias digitais direcionadas para o eleitor, visando formar sua opinião. Aliás, o cenário político após o advento das redes sociais mudou significativamente, e é sabido que os conteúdos veiculados na Internet são parte importante da campanha eleitoral. Por esse motivo, e, diante de escândalos em nível mundial envolvendo o uso de dados pessoais no processo eleitoral nos últimos anos, o Brasil vem reforçando a regulamentação acerca do assunto. No presente artigo, iremos tratar do uso de dados pessoais para finalidade eleitoral e a evolução normativa a respeito do tema. Continue a leitura e acompanhe!

O cenário eleitoral passou por profundas mudanças nos últimos anos devido à transformação digital, e sobretudo o advento das redes sociais, tendo em vista que este passou um dos principais canais de comunicação do candidato com o eleitor.

A LGPD prevê que o tratamento de dados pessoais deve observar os princípios da boa-fé, da finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas, conforme disposto no art. 6º, da Lei n.°13.709/18.

Além disso, a LGPD estabeleceu em seu art. 2º, os fundamentos que disciplinam a proteção de dados que se relacionam diretamente com os direitos constitucionais. São eles:

Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:

I – o respeito à privacidade;

II – a autodeterminação informativa;

III – a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;

IV – a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;

V – o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;

VI – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e

VII – os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

Assim, a privacidade, a inviolabilidade da intimidade, imagem e honra dizem respeito aos Direitos Fundamentais previstos no inciso X, do art. 5º da Constituição Federal:

“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Desta forma, a proteção dos dados pessoais consiste num Direito Fundamental, conforme disposto na Proposta de Emenda Constitucional – PEC n.º 17/2019, que acrescenta o inciso XII-A, ao art. 5º, e o inciso XXX, ao art. 22, da Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os Direitos Fundamentais do cidadão e fixar a competência privativa da União para legislar sobre a matéria.

A justificativa da PEC 17/19 prevê o seguinte:

“…O Brasil necessita muito mais do que uma Lei Ordinária sobre o assunto, apesar da envergadura jurídica da Lei n.º 13.709/18, propomos a presente mudança à Constituição Federal…”.

O Plenário do Senado Federal aprovou no dia 20.01.22, a referida Proposta de Emenda à Constituição, tornando a proteção de dados pessoais um Direito Fundamental, inclusive nos meios digitais.

Agora a redação desses artigos passou a ser a seguinte:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XII-A. é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[…]

XXX. proteção e tratamentos de dados pessoais (BRASIL, 2019).

Neste contexto, a LGPD é aplicável também ao uso de dados para finalidade eleitoral, e este tem sido o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Ambos os órgãos externaram seu posicionamento através da publicação de um Guia Orientativo tratando da questão do uso de dados pessoais nas eleições, pelos agentes de tratamento de dados da administração pública, revelando a preocupação com cumprimento da LGPD durante o processo eleitoral.

Essa preocupação foi expressa na introdução do Guia, a qual dispõem que:

“…O processo político-eleitoral envolve a circulação de um grande volume de dados pessoais: candidatas, candidatos e partidos políticos querem fazer suas propostas chegar ao eleitorado e, para isso, é muito valioso conhecer seus hábitos e suas opiniões e pretensões. A atual capacidade de processamento das informações e a adaptação da sociedade a novos hábitos digitais – com forte adesão a redes sociais e aplicativos de mensagens privadas e em grupos – aumentam a preocupação com a tutela de dados pessoais das cidadãs e dos cidadãos…”.

Assim sendo, ambos os órgãos se posicionam e orientam os agentes de tratamento de dados para finalidade eleitoral de forma pormenorizada a cumprirem as diretrizes previstas na LGPD, ainda que esta, como sabemos, não possua previsão expressa a este respeito, ou seja, referindo-se ao contexto eleitoral.

As orientações do documento mencionado, têm o objetivo de garantir a proteção de dados, a privacidade das pessoas titulares e a lisura do processo eleitoral, sem obstruir a comunicação entre candidato e cidadão, necessária ao processo democrático.

Por fim, temos que a legislação eleitoral atualmente em vigor no Brasil, (Lei n.º 9.504/97), trata da proteção de dados e do uso da Internet em âmbito eleitoral:

Art. 57-B.  A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas:

I – em sítio do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País;

II – em sítio do partido ou da coligação, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País

III – por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação;

IV – por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por:

a) candidatos, partidos ou coligações; ou

b) qualquer pessoa natural, desde que não contrate impulsionamento de conteúdo.

1° os endereços eletrônicos das aplicações de que trata este artigo, salvo aqueles de iniciativa de pessoa natural, deverão ser comunicados à Justiça Eleitoral, podendo ser mantidos durante todo o pleito eleitoral os mesmos endereços eletrônicos em uso antes do início da propaganda eleitoral.

2° não é admitida a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de aplicação de internet com a intenção de falsear identidade.

3° é vedada a utilização de impulsionamento de conteúdos e ferramentas digitais não disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet, ainda que gratuitas, para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral, tanto próprios quanto de terceiros.

4° o provedor de aplicação de internet que possibilite o impulsionamento pago de conteúdos deverá contar com canal de comunicação com seus usuários e somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes do conteúdo impulsionado se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente pela Justiça Eleitoral.

5° a violação do disposto neste artigo sujeita o usuário responsável pelo conteúdo e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa.

Art. 57-C.  É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdo, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.

Art. 57-E.  São vedadas às pessoas relacionadas no art. 24 a utilização, doação ou cessão de cadastro eletrônico de seus clientes, em favor de candidatos, partidos ou coligações.

1o É proibida a venda de cadastro de endereços eletrônicos.

2°A violação do disposto neste artigo sujeita o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (grifos nossos).

Frise-se que o tema foi discutido também no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da ADI n° 63871, na qual a ministra Rosa Weber, se posicionou no sentido de que a proteção de dados deve ser entendida pelo ordenamento jurídico pátrio, como um Direito Fundamental, corroborando com a liberdade individual, a privacidade e a personalidade, veja:

[…] 1. Decorrências dos direitos da personalidade, o respeito à privacidade e à autodeterminação informativa foram positivados, no art. 2º, I e II, da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), como fundamentos específicos da disciplina da proteção de dados pessoais. 2. Na medida em que relacionados à identificação – efetiva ou potencial – de pessoa natural, o tratamento e a manipulação de dados pessoais hão de observar os limites delineados pelo âmbito de proteção das cláusulas constitucionais assecuratórias da liberdade individual (art. 5º, caput), da privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade (art. 5º, X e XII) […]

Diante de todo este cenário, é possível notar que estamos vivenciando um momento histórico em que os Três Poderes têm se movimentado intensamente, em termos regulatórios para coibir a manipulação de dados pessoais no processo eleitoral, como forma de proteção a Democracia.

Conclusão

A manipulação indevida de dados pessoais, para diversas finalidades, inclusive eleitorais, tem se intensificado em todo o mundo. Este é, portanto, um fenômeno global, o qual tem impulsionado fortemente a regulação da matéria.

No caso do Brasil, após a entrada em vigor da LGPD, o TSE e a ANPD estão se posicionando no sentido de adotar os preceitos da LGPD no contexto eleitoral, visando punir e prevenir atos de manipulação do processo eleitoral, colocando em risco a democracia.

Neste cenário, a inserção na Constituição Federal da proteção de dados como Direito Fundamental como cláusula pétrea, significa um importante avanço no sentido de garantir a efetividade desses direitos e demonstra a forte movimentação regulatória em direção a esse objetivo.

Toda essa importante movimentação revela o fortalecimento de uma cultura de privacidade e proteção de dados no Brasil.

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Gabriela Maluf

Founder & CEO da Thebesttype, empreendedora, escritora, advogada com 18 anos de experiência, especialista em Compliance Trabalhista, Relações Trabalhistas, Sindicais e Governamentais, Direito Público e Previdenciário, palestrante com mais de 200 eventos realizados e produtora de conteúdo técnico otimizado em SEO para sites e blogs. Atualmente ajuda empreendedores e profissionais liberais a crescerem digitalmente por meio de estratégias de Marketing de Conteúdo.

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