Durante a pandemia do Covid-19 foi declarado o Estado de Emergência visando atender às demandas emergenciais de compras de insumos e outros bens pelos órgãos públicos com dispensa de licitação. Analisaremos os efeitos dessas medidas sob a égide do Compliance.
O cenário caótico provocado pela pandemia de Covid-19 motivou a declaração do Estado de Emergência, o qual é permitido em situações extraordinárias, como forma de dar celeridade às medidas emergenciais que precisam ser tomadas por parte dos órgãos públicos.
Dentre essas medidas está a dispensa de licitação para aquisição de bens pelos governos estaduais e municipais para fazer frente às dificuldades impostas pela disseminação do vírus.
Alterações na legislação para flexibilizar a aquisição de bens e doações
Com a publicação da Lei n.º 13.979/2020 e da Medida Provisória n.º 926/2020, foram flexibilizadas as regras para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da pandemia, dispensando a licitação nestes casos.
Podemos citar ainda o Decreto n.º 10.314/2020, que flexibilizou as regras de doação de entidades privadas para entidades públicas.
Neste contexto, a dispensa de licitação significa uma flexibilização das rígidas regras que vigoram normalmente para compras vinculadas ao orçamento público, bem como para doações para órgãos públicos.
Efeitos da flexibilização das leis
Contudo, o afrouxamento das regras, como é o caso da dispensa de licitação, pode gerar um efeito colateral, qual seja: o desvirtuamento dos recursos em proveito do agente público ao invés de servir para conter os efeitos nefastos provocados pela pandemia.
Para evitar essa conduta grave por parte de agentes públicos inescrupulosos, é necessário um aumento da fiscalização e o cumprimento das regras de integridade, as quais não podem ser flexibilizadas, sobretudo no que tange à dispensa de licitação.
Não é aceitável que a ética e a transparência sejam deixadas de lado num momento de pandemia, que não pode servir de desculpa para o agente público para compras superfaturadas, pagamento de serviços não prestados e favorecimentos de terceiros como parentes e amigos.
Este é o momento de atuar com zelo no gasto do dinheiro público, pois os princípios da moralidade, eficiência e impessoalidade não foram flexibilizados, não podendo ser deixadas de lado as normas de Compliance na Administração Pública.
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Dispositivos legais importantes que continuam em pleno vigor
Os artigos 24, inciso IV, e o artigo 26 da Lei n.º 8.666/93, continuam em pleno vigor e devem ser observados, sob pena de favorecer condutas que contrariam as normas de Compliance, como por exemplo:
- Não observância aos procedimentos legais para formalizar a dispensa da licitação;
- Superfaturamento de insumos e serviços;
- Contratações desnecessárias ou desvinculadas dos motivos que ensejaram a declaração do Estado de Emergência;
- Compras desnecessárias ou que não correspondem às reais necessidades da população;
- Contratações irregulares de pessoal, como prática de nepotismo, contratação de funcionários fantasmas ou de profissionais desqualificados;
- Doações irregulares etc.
- Desrespeito ao prazo das contratações temporárias (artigo 37, inciso IX da CF/88);
Vale lembrar ainda que a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), também continua em vigor no Brasil, sendo aplicáveis as sanções nela previstas, independentemente da declaração do Estado de Emergência, ainda que haja dispensa de licitação.
Doações
Outro ponto de atenção se deve ao fato de diversas empresas estarem fazendo doações para ajudar no enfrentamento da pandemia, que são nobres e necessárias num momento como este. Porém será que todas estão observando as regras impostas pelo programa de Compliance?
Não podemos esquecer que atitudes imediatistas podem ser potencialmente danosas no futuro, pois quando a pandemia passar, será a vez das auditorias, das Duo Diligences, Fusões, Aquisições etc. as quais poderão ser profundamente impactadas por atos praticados agora.
Conclusão
Por fim, mas não menos importante, é inaceitável que a pandemia ou a dispensa da licitação, sejam usados para facilitar a corrupção e o descumprimento deliberado das normas de Compliance tanto na Administração Pública, quanto na esfera privada.
A população, os órgãos de fiscalização e o time de Compliance das empresas privadas, mais do que nunca devem estar atentos para identificar e coibir tais práticas.
É melhor prevenir do que remediar, os efeitos do afrouxamento das normas de Compliance pode ser um grave efeito colateral do que a pandemia do Coronavírus, que não pode, em hipótese alguma, significar um facilitador de fraudes e desperdício do dinheiro público.
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